Crocolude
- claudiazafre
- 7 de ago.
- 2 min de leitura
Tens o sangue frio. O meu sempre foi quente e tímido. Nunca te importaste que tivessem medo de ti ou te achassem mais feio que o susto. Eu sempre quis que me achassem minimamente apresentável, mas é na tua companhia que me sinto segura e realmente “eu”. Sabes como é complicado sair da concha e mostrar como realmente se é? Eu falei-te disso e tu pareceste entender. Claramente, nunca tiveste esse problema mas escutaste os meus queixumes com profunda empatia. És só beleza pura aos meus olhos. Gostava que me protegesses sempre. És tão forte. O teu adjectivo talvez seja mesmo “destemido/a”. Nunca percebi o romance. Prefiro isto que temos. Esta amizade incomensurável e revestida de um platonismo comovente. Nunca iremos juntos para o altar. Os meus pais iam morrer de medo de ti porque os teus olhos são demasiado incisivos de tanto terem visto vida e morte. Tive namoradas e quando falavam, blablabla não deves fazer isto blablabla por que é que és assim blabalabala devias ponderar fazer blablabala, eu só pensava em ti, livre e sem medos. Sem reis, rainhas ou leis. Nunca te invejei, mas pensei várias vezes, como teria sido se tivesse nascido como tu. Seríamos ainda mais próximos. Admiro-te porque encaras a vida e a morte com a mesma espontaneidade e leveza. Eu tenho medo da morte. Na realidade, eu tenho medo de tudo mas não chega a ser covardia, é mesmo a fobia geral que engloba todas as outras. O medo do medo. Nos psiquiatras dizem-me que tenho isto e aquilo, distúrbios de personalidade indefinidos como dizem às crianças “Ah, é uma virose”. A profunda indefinição do ser. Foda-se. Passo-me com certas músicas, digo-te já, e sei que tu também. Ouvimos juntos Popul Vuh e depois Beyoncé. Somos eclécticos. Tu percebes que a música é o alimento da alma. Eu amo-te. E isso nunca irá mudar. Quantas vezes vi nos teus olhos, por vezes mortiços, o reflexo da minha jovialidade? Vezes sem conta e até me achei bonita, vê lá tu. Se me permitires, dormimos lado a lado esta noite. Eu sei que vou ter paz porque tu és o que sempre quis ser e nunca consegui.
Antes de adormecer, vi nos teus olhos o reflexo de paisagens idílicas antes do Homem. Afaguei-te. Tu queres o teu espaço, tens esse direito. Como era lindo antes da raça humana…como era sublime….perfeito.
Os teus olhos amarelos pareciam dizer-me qualquer coisa mas talvez seja demasiado tarde. És de uma beleza singular. Tu e todos/as como tu.
Gosto desta nossa cena. Assim platónica. Assim linda. Adeus pessoas.
É aqui que entra a narradora externa para clarificar que a voz interior que fomos ouvindo nos deixou esta carta de amor a um crocodilo que trucidou o seu corpo e depois mergulhou no pântano. O seu corpo ficou irremediavelmente destruído mas acreditamos que a sua alma perdura. Um bom resto de vida para todas/os e bem-haja.
08 08 2025 CZ
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